sexta-feira, 10 de junho de 2011

Desafio Literário: Vestido de noiva

Li mais uma peça para o Desafio Literário: Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, o nosso anjo pornográfico, soube escancarar "A vida como ela é", revelou os pecados íntimos de uma sociedade que quer parecer o que não é. O azar de Nelson, de Machado de Assis e de Gláuber Rocha foi terem nascido no Brasil porque em qualquer lugar do mundo eles seriam repeitados e estariam no topo dos the best ever da dramaturgia (Nelson), do cinema (Gláuber) e da literatura (Machado). Parece que Deus não dá asa a cobra mesmo.

Vestido de Noiva é uma peça de cunho psicológico, é dividida em três planos: da realidade, da alucinação e da memória.
No plano da realidade, Alaíde é atropelada por um carro e está na mesa de cirurgia. No plano da alucinação, ela encontra com Madame Clessi, uma prostituta que antes de morrer, morou na casa que a família de Alaíde foi  morar posteriormente e deixou seus pertences no sótão. Alaíde começou a ler o diário da mulher, uma forma de se libertar de uma opressão sexual feminina que era muito comum na época.
No plano da memória, Alaíde tenta lembrar o que aconteceu antes do acidente, lembra que roubou o noivo da irmã (a mulher do véu) e elas discutem a relação no dia do casamento. Na verdade, Alaíde queria estar no lugar de Lucia, casando-se com Pedro, ela confunde a realidade. No final, Alaíde e Madame Clessi (ambas já mortas) entrega o buquê à Lucia. Por fim, Alaíde é Lúcia e Madame Clessi, três mulheres em uma, o id, ego e superego, o amor, a loucura e a morte. A sedução, a repressão e a agonia.


Essa história me lembra também a "Noiva Cadáver", de Tim Burton. A noiva que queria um noivo para realizar seu sonho, mesmo morta, ela estava presa no mundo, encontra o Victor, um cara tímido, medroso, mórbido e desajeitado, está noivo da Victoria. A noiva cadáver, move a terra dos mortos e dos vivos para realizar seu sonho, mas o amor dela é mais racional e menos egoísta, ela consegue se libertar das amarras e vai para um plano onde ela é livre como borboleta.
Coincidentemente, assisti ao filme francês "À la folie.. pas du tout" (Na loucura... de jeito nenhum), em português foi traduzido como "Bem me quer, mal me quer", com a eterna Amelie Poulain, a Audrey Tautou. O filme também é de cunho psicológico, uma estudante de artes plásticas se apaixona por um médico cardiologista, seu vizinho e tem até um vestido de noiva.
Angelique, tão ingênua, apaixona-se por um médico cardiologista sem coração, o Dr. Loïc, como é possível? Ele é casado, sua mulher está grávida e fica iludindo a doce artista, vai largar a mulher para ficar com ela, vão fazer uma viagem para Florença. Opa, pára tudo! O filme começa de novo, caí na pegadinha, sempre caio nessa, mas nos filmes de David Lynch, oras! Quer dizer que a Angelique é diabolique? E Dr. Loïc é uma vítima? Entendi, Angelique é Alaíde, transforma o amor em alucinação, confunde as coisas. Foi preciso interná-la e com os medicamentos que dão à ela, ela constrói um altar em homenagem a Loïc.
Cena de Angelique com o psiquiatra:

Há um mundo na minha cabeça diferente do mundo real. Um mundo em que Loïc me ama e me protege.Um mundo em que ele está ao meu lado, sempre. Hoje eu sei que esse mundo não existe, que foi uma ilusão, fruto da minha imaginação. Todo mundo sonha em viver um grande amor. Eu apenas sonhei mais forte do que os outros.

Declaração de Angelique:

"Embora meu amor seja insano, minha razão alivia a dor intensa do meu coração dizendo-lhe para ter paciência e não perder a esperança.
Uma erotomaníaca internada por mais de 50 anos."


Eu, sinceramente, tenho paúra de vestido de noiva, nunca quis casar com cerimônia religiosa, embora seja o sonho de muitas mulheres, nunca foi o meu. Não sei se é porque qualquer tipo de ritual me assusta, batizado, 1ª comunhão, essas coisas são muito estranhas para mim, vejo a pessoa como vejo uma ovelha vulnerável indo ao matadouro, como se fosse um espetáculo macabro para a satisfação do público. Como se o ritual fosse garantia de felicidade. Em todo caso, sempre tenho opiniões esquisitas. Não se assustem! Podem casar em paz!

3 comentários:

  1. Casamento também me da um certo medo, soa como algo muito definitivo o "até que a morte os separe" sempre soa muito definitivo, tudo que é definitivo as vezes soa como forma de opressão!

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  2. Ana, que resenha maravilhosa! Adorei seu comentário sobre a peça de Nelson rodrigues, e me admirei com seus comentários sobre vestidos de noiva. Incrível, pois geralmente mulher adora.

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  3. Nossa, a análise foi a fundo.Eu não gosto de cerimônias de casamento, porque me passam a mesma ideia mencionada por você. Perde-se o significado. Quanto Nelson Rodrigues, não tive a oportunidade de ler a sua obra, mas a julgar pela sua resenha ele põe o dedo na ferida. Gosto disso.

    Beijocas

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