domingo, 7 de fevereiro de 2016

Sobre o que queremos ser e nao somos

"Motoristas de taxi nigerianos nos Estados Unidos tinham certeza de que, no fundo, nao eram motoristas de taxi." (Americanah - Chimamanda Ngozi Adichie).

Cena do filme Dr. Cabbie (pula para o min. 2:50 do video). Um indiano recem formado em Medicina na India, vai para Toronto achando que conseguiria ser médico, mas ao chegar, descobriu que precisava de refazer praticamente toda a faculdade se quisesse continuar na area. Nesta cena, ele arrumou um trabalho como taxista e se sente triste com isso, fala para os colegas: "Eu sou um médico". A outra diz: "Eu sou PHD em Psicologia". O chinês diz que é fisico. So que no Canada sao apenas taxistas.

“Intelligent, thinking people could take things like this in their stride, just as they took the larger absurdities of deadly dull jobs in the city and deadly dull homes in the suburbs. Economic circumstances might force you to live in this environment, but the important thing was to keep from being contaminated. The important thing, always, was to remember who you were.” (Richard Yates, Revolutionary Road)

Por quê coloquei estas citaçoes acima? Para eu mesma me lembrar que eu sou como todo mundo sim. Às vezes a gente pensa que, como nos exemplos, "estamos trabalhando temporariamente como taxista" é diferente de "ser taxista", ou como os personagens do livro do Richard Yates: moramos no suburbio temporariamente, mas nao pertecemos a esse lugar e nao vamos nos deixar contaminar, somos mais que isso, somos melhores que os outros, temos estudo, educaçao, experiencia internacional, viajamos, etc. Ledo engano!
Tem gente que passa a vida enganando a si propria, falando mais do que queria ser do que aceitando o que realmente é. Eu assumo! Ja fui assim, estou me curando do baque. Eu penso que me esforcei, estudei e acho que merecia ser recompensada. So que a vida nao é feita de meritocracia, como diz no trecho a seguir, tem gente que se da bem nao fazendo nada e gente que se esforça, mas se ferra a vida inteira. 

when I was in the sixth grade; people who knew everything instinctively, who made their lives work out the way they wanted without even trying, who never had to make the best of a bad job because it never occured to them to do anything less then perfectly the first time. Sort of heroic super-people, all of them beautiful and witty and calm and kind, and I always imagined that when I did find them I'd suddenly know that I Belonged among them, that I was one of them, that I'd been meant to be one of them all along, and everything in teh meantime had been a mistake; and they'd know it too. I'd be like the ugly duckling among the swans.”  (Richard Yates, Revolutionary Road)

Para nao pirar, é melhor aceitar a realidade, assumir o que você é, dizer apenas: Sou taxista! Sem ter que se justificar dizendo: "Eu sou médico, mas no momento estou dirigindo taxi". O provisorio pode ser definitivo e esse choque de realidade é mais dolorida do que a gente pensa. Tem taxistas indianos, nigerianos, russos, brasileiros que moram a mais de 20 anos em NY, Toronto, Londres que vao dizer sempre que sao uma coisa e nao outra. E ninguém tem coragem dizer: você sera taxista a vida inteira, você vai morar no suburbio a vida inteira. Nao dizem porque tem do. Porque sonhar ainda é de graça, mas nao é garantia de nada. Mais vale uma doce mentira que uma verdade cruel.
Aceita que doi menos! Pode ser que uma dia as coisas mudem, mas pode ser que nao, é mais questao de sorte que de esforço, crie qualquer coisa antes de criar expectativas, pelo menos o tombo sera menos traumatico. Nao deixe de lutar, de dar o seu melhor, mas também nao conte com o ovo no cu da galinha.

Não sou nada
Não serei nada
Não posso querer ser nada
À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo
[...]
Que sei do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
[...]
Não, não creio em mim
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu que não tenho tanta certeza sou mais certo ou menos certo?
[...]
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo,
ainda que tenha razão
(Tabacaria - Fernando Pessoa)

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