quinta-feira, 7 de abril de 2016

BEDA 8 - Leitura: O papel de parede amarelo

Li o conto "O papel de parede amarelo", da escritora e sociologa americana, Charlotte Perkins Gilman. O livro ja esta em dominio publico, baixei de graça na loja do Kobo (em inglês), foi escrito em 1890.

Charlotte
Na introduçao, ela explica a razao pela qual escreveu este conto e as reaçoes que recebeu. Alguns médicos que leram (foi publicado na revista New England), disseram para o publico nao ler, pois aquilo era a prova de que ela era mesmo insana.
Ela explica que alguns anos antes tinha sido diagnosticada com problema continuo de nervos com tendências melancolicas (hoje conhecido como depressao pos-parto) e o médico disse que ela so seria curada se vivesse a vida doméstica da melhor forma possivel, ter apenas duas horas de vida intelectual por dia e nunca mais tocar em uma caneta ou pincel de novo. Ela seguiu os conselhos por 3 meses, mas seu estado piorou, nao aguentava viver sem ser produtiva, sem trabalhar, sentindo-se uma parasita. Também explica que nunca teve alucinaçoes com o papel de parede, era apenas uma metafora, ela nao tinha a intençao de fazer as pessoas endoidarem, queria apenas salva-las de serem "endoidadas" por esses médicos e deu certo.
Charlotte vem de uma familia de mulheres militantes, sua tia Isabella Beecher era sufragista, a tia Harriet Beecher era abolicionista e a tia Catharine Beecher escrevia sobre a educaçao das mulheres.
Aos 18 anos entrou na Escola de design de Rhode Island porque desejava ser pintora. Casou-se, teve uma filha e sofreu depressao pos parto, mas na época nao existia esse diagnostico, entao disseram que era histeria. Apos 4 anos de casamento ela pediu o divorcio, em uma época que era bem dificil divorciar-se.
Sempre lutou pelos direitos das mulheres, participava como oradora em conferências, escrevia para jornais, mas sempre foi subestimada. Suicidou-se, pois lutava contra o cancer de mama e nao aguentava mais o sofrimento, também lutou pelo direito à eutanasia, mas foi ignorada.

O papel de parede amarelo

Ja falei em outros posts aqui e aqui sobre a histeria feminina e este livro é mais um que toca neste assunto. Acho interessante o titulo deste livro em francês "A Sequestrada", pois foi exatamente o que aconteceu com ela. É narrado em primeira pessoa, em forma de diario de uma mulher, ela é casada com um médico que a leva contra sua vontade para um casarao abandonado no meio do mato para trata-la dos nervos. Ela é colocada em um quarto que tem um cheiro esquisito, uma janela com grades e um papel de parede amarelo que a deixa obcecada e mais doente do que ela aparentemente esta, durante 3 meses. Ela começa a ver vultos de mulheres neste papel, como se estivessem presas com ela no quarto e o unico jeito de liberta-las, incluindo a si propria, era arrancando aquele papel horroroso da parede.
"Eu nem sequer gosto de olhar pelas janelas — há tantas dessas mulheres a rastejarem por todo o lado, e rastejam tão depressa.
Imagino se saíram desse papel de parede, tal como eu".

É assustador, claustrofobico, a gente sente toda aquela tensao da personagem, mas ao mesmo tempo sentimos ela sendo liberada de toda a opressao e dos diagnosticos de histeria que as mulheres eram vitimas. É um dos poucos livros sobre o assunto que a mulher tem um final esperançoso.

John, o marido médico, é o homem tipico de relacionamentos abusivos, acha que esta fazendo o bem, esta protegendo a esposa fragil, mas no fundo esta tentando mantê-la sob o seu dominio e odeia ser contrariado.
"Se um médico de grande reputação, ainda por cima um marido, convence amigos e familiares que nada de grave se passa realmente conosco senão uma temporária depressão nervosa — uma ligeira tendência histérica — que poderá uma pessoa fazer? O meu irmão também é médico, de grande reputação também, e diz a mesma coisa. De modo que tomo fosfatos e fosfitos — não sei bem quais — e tônicos, dou passeios, apanho ar, faço exercício, e estou absolutamente proibida de «trabalhar» até me ter restabelecido.
Pessoalmente, não estou de acordo com as ideias deles. Pessoalmente, acho que um trabalho de acordo com o meu modo de ser, com excitação e mudança, me faria bem.
Mas que pode uma pessoa fazer?
Apesar das opiniões deles, escrevi durante uns tempos. Mas, na verdade, isso acaba sempre por me fatigar bastante — ter que fazê-lo tão veladamente, ou, caso contrário ter que enfrentar uma grande oposição.
Por vezes imagino que, dada a minha condição, se tivesse menos contrariedades e mais convívio e estímulo..." 

Sobre a depressao pos-parto:
"É uma sorte a Mary ser tão boa com o bebê. Um bebê tão querido!
E, contudo, não consigo estar com ele, põe-me tão nervosa."
Sobre a cunhada que desempenha muito bem e sem reclamar o papel de perfeita dona de casa e nunca iria apoia-la, apenas a vê como uma coitada que ficou doida porque escrevia:

"É uma mulher tão adorável e tem tantos cuidados comigo! Não devo permitir que ela me encontre a escrever. Ela é uma dona de casa perfeita e entusiasmada, e não deseja outra profissão melhor. Acredito, plenamente, que pensa que foi a escrita que me fez ficar doente". 
John a ameaçava dizendo que se ela nao se comportasse, seria levada a um médico pior que ele e seu irmao:
"O John disse que, se eu não melhorar, me enviará para o Dr. Weir Mitchell no Outono.
Mas eu não quero, de modo nenhum, ir para lá. Tive uma amiga que esteve, em tempos, nas suas mãos, e ela diz-me que ele é tal e qual como o John e como o meu irmão, só que ainda pior do que eles".
John nao a levava à sério, infantilizava-a, chamava-a de tontinha e sempre sabia tudo sobre tudo:
Sou médico, querida, e sei do que estou a falar. Estás a ganhar mais peso e melhores cores, o teu apetite melhorou, sinto-me mesmo muito mais descansado acerca do teu estado.»
«Eu não ganhei peso» disse-lhe. «Nem peso tanto como quando para aqui vim; o meu apetite poderá ser melhor à noite, quando aqui estás, mas piora de manhã, quando estás longe!»
«Que tontinha!» observou ele, abraçando-me muito. «Podes estar doente tanto quanto quiseres! Mas agora, para podermos aproveitar as horas de sol, vamos dormir e falar nisso de manhã!»

É isso! Recomendo para quem gosta de psicologia e de assuntos sobre a condiçao feminina na era vitoriana. Parece um conto de terror, mas era a vida real de muitas mulheres.


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