quinta-feira, 14 de abril de 2016

Livro + filme: Orlando, de Virginia Woolf

Para meu projeto "Literatura na sétima arte", li o livro "Orlando, uma biografia" escrito por Virginia Woolf, em 1928.
Orlando é um personagem androgino e vive a mais de 300 anos na terra. Nasceu homem e depois tornou-se mulher.
Este livro é uma declaraçao de amor à Vita Sackville-West, uma mulher que Virginia se apaixou aos 40 anos, Vita tinha 30, era mae de duas crianças e se vestia com trajes masculinos de vez em quando. Orlando é Vita. Virginia soube tratar de forma brilhante varios assuntos que infelizmente sao meio tabus até hoje.
É uma obra interessante do ponto de vista historico, pois narra o que acontecia na Inglaterra nos periodos da colonizaçao até a industrializaçao, fala também da condiçao feminina, discute sobre gênero e sexualidade, sobre aventurar-se em outros paises e fala da condiçao de ser escritor(a) em um mundo frio que preza pelo progresso e nao pelas as letras. Eis as partes que grifei e comentei:

Orlando era amante da leitura e da escrita:

"Lia frequentemente seis horas noite adentro; e, quando vinham pedir ordens para matar o gado ou colher o trigo, afastava o livro e olhava como se não compreendesse o que estavam lhe dizendo".
"Que deixasse os livros para os paralíticos e os moribundos. Mas o pior estava por vir. Pois, uma vez que a doença da leitura se instale no organismo, enfraquece-o, tornando-o presa fácil desse outro flagelo que habita no tinteiro e apodrece na pena. O infeliz dedica-se a escrever. E, se isto é ruim para um pobre homem cuja única propriedade é uma cadeira, uma mesa, sob a goteira de um telhado — que não tem, afinal, muito a perder —, a situação de um homem rico que possui casas e gado, empregados, mulas e linhos e ainda assim escreve livros é extremamente lamentável". 

Ao tornar-se mulher, lembrou de como pensava sobre elas enquanto homem:
"Lembrava agora como, quando rapaz, insistira em que as mulheres deviam ser obedientes, castas, perfumadas e caprichosamente enfeitadas. “Agora tenho que pagar pessoalmente por esses desejos”, refletiu; “pois as mulheres não são (julgando pela minha própria curta experiência do sexo) obedientes, castas, perfumadas e caprichosamente enfeitadas por natureza. Elas só podem conseguir esses encantos — sem os quais não desfrutam de nenhum dos prazeres da vida — por meio da mais tediosa disciplina." (mulher real x mulher idealizada)

Quando ela sentiu pela primeira vez o machismo relacionado à vestimenta feminina, nunca tinha percebido que poderia ser assediada por mostrar o tornozelo sem querer:
"Aqui, sacudiu o pé impacientemente e mostrou uma ou duas polegadas da perna. Um marinheiro que estava no mastro, e que olhou por acaso para baixo naquele momento, sobressaltou-se tão violentamente que perdeu o equilíbrio e só se salvou por um triz. “Se a visão dos meus tornozelos significa a morte para um homem honesto que sem dúvida tem mulher e família para sustentar, devo, por humanidade, mantê-los cobertos”, pensou Orlando. No entanto, suas pernas estavam entre seus maiores encantos, e ela começou a pensar a que estranha situação chegamos quando toda a beleza de uma mulher tem que ser mantida coberta para que um marinheiro não caia do mastro principal. “Que se danem!”, disse ela, compreendendo pela primeira vez o que em outras circunstâncias lhe teriam ensinado quando criança, ou seja, as sagradas responsabilidades de ser mulher."
“É melhor”, pensou, “estar vestida de pobreza e ignorância, que são as vestimentas escuras do sexo feminino; é melhor deixar o governo e a disciplina do mundo para os outros; é melhor abandonar a ambição marcial, o amor ao poder e todos os outros desejos masculinos, para que se possa apreciar completamente os mais sublimes arrebatamentos do espírito humano, que são”, disse em voz alta, como de hábito quando estava profundamente comovida, “contemplação, solidão, amor.”
"A mudança de roupas, diriam alguns filósofos, tinha muito a ver com isso. Futilidades vãs, como parecem, as roupas têm — dizem eles — funções mais importantes do que simplesmente nos aquecer. Elas mudam nossa visão do mundo e a visão do mundo sobre nós".
"Se usassem as mesmas roupas, é possível que sua maneira de olhar viesse a ser a mesma. Esta é a opinião de alguns filósofos e sábios, mas nós nos inclinamos por outra. Felizmente, a diferença entre os sexos é de grande profundidade. As roupas são apenas símbolos de algo extremamente oculto. Foi a transformação do próprio Orlando que determinou sua escolha pelas roupas de mulher e pelo sexo feminino".

A liberdade e a independência de ser homem x a passividade da mulher:
"Não serei capaz de quebrar a cabeça de um homem, nem dizer-lhe que mente até os dentes, nem desembainhar minha espada e traspassá-lo, nem sentar entre meus pares, nem usar uma coroa, nem andar em procissão, nem condenar um homem à morte, nem comandar um exército, nem exibir-me num corcel pelo Whitehall, nem usar 72 diferentes medalhas no peito. Tudo o que posso fazer quando pisar no solo inglês é servir chá e perguntar aos meus senhores como eles o preferem. Com açúcar? Com creme?"
"negar instrução à mulher para que ela não ria dele; ser escravo da mais reles sirigaita de saias e seguir como se fosse o Senhor da criação. — Céus!”, pensou, “como nos fazem de bobas — que bobas somos nós!” E aqui parecia haver alguma ambiguidade em seus termos, pois estava censurando ambos os sexos igualmente, como se não pertencesse a nenhum; e na verdade, até aquele momento, parecia vacilar; era homem; era mulher; conhecia os segredos e partilhava as fraquezas de cada um."
 "Orlando sentiu que por mais que o desembarque ali significasse conforto, significasse opulência, significasse importância e poder (pois ela sem dúvida caçaria algum príncipe nobre e reinaria como sua consorte sobre metade de Yorkshire), ainda assim significava convencionalismo, significava escravidão, significava fraude, significava negar o seu amor, acorrentar o corpo, franzir os lábios e conter a língua — então teve vontade de voltar com o navio e regressar para os ciganos".
Por ser mulher, nao poderia ter bens e nem receber herança:
As principais acusações contra ela eram: (1) que estava morta e portanto não podia ter propriedade alguma; (2) que era mulher, o que significa a mesma coisa (...) Todos os seus bens foram embargados, seus títulos suspensos, enquanto os processos estavam em curso. Assim, foi numa condição extremamente ambígua — sem saber se estava morta ou viva, se era homem ou mulher, duque ou ninguém — que partiu para sua casa no campo, onde, à espera do julgamento legal, tinha permissão da corte para residir, incógnito ou incógnita, conforme fosse o caso.
Os animais nao têm preconceito com seus donos:
"Ninguém manifestou a menor suspeita de que Orlando não fosse o Orlando que tinham conhecido. Se houvesse alguma dúvida na mente humana, a atitude dos veados e dos cachorros seria suficiente para dissipá-la, pois, como se sabe, os animais são melhores juízes de identidade e caráter do que nós". 
Orlando e os perrengues de ser mulher:
"ela não tinha a formalidade de um homem nem o amor masculino pelo poder. Ela possuía um coração excessivamente terno. Não suportava ver um burro ser espancado nem um gatinho ser afogado. Contudo, novamente observavam que detestava assuntos domésticos, levantava-se de madrugada e saía pelos campos no verão antes do nascer do sol. Nenhum fazendeiro conhecia melhor as colheitas do que ela. Podia beber com os mais fortes e gostava de jogos de azar."
"esquecera que as damas não devem passear sozinhas em lugares públicos — se um cavalheiro alto não se adiantasse e lhe oferecesse a proteção de seu braço. 
"Era então impossível sair para um passeio sem ficar meio sufocada, sem ser presenteada com um sapo de esmeraldas e pedida em casamento por um arquiduque?" (assédio na rua)
"As mulheres não têm desejos, diz esse cavalheiro entrando na sala de Nell; apenas fingimento. Sem desejos (ela o serviu e ele foi embora) a sua conversa não pode ter o menor interesse para ninguém. “É bem sabido”, diz o sr. S.W., “que, quando lhes falta estímulo do outro sexo, as mulheres não acham nada para dizer uma a outra. Quando estão sozinhas não conversam, arranham-se.” E, uma vez que não podem conversar quando estão juntas e quo arranhar não pode continuar indefinidamente, e como é bem sabido (como provou o sr. T.R.) “que as mulheres são incapazes de qualquer sentimento de afeição pelo seu próprio sexo e que se detestam mutuamente”, o que podemos supor que façam as mulheres quando se reúnem em sociedade?
Como esta não é pergunta que possa interessar a qualquer homem sensato, vamos nós aproveitar a imunidade de todos os biógrafos e historiadores de não pertencer a nenhum sexo para passar ao largo e meramente constatar que Orlando gostava imensamente da companhia das pessoas de seu próprio sexo, e deixemos para os cavalheiros o encargo de provarem, como adoram fazer, que isto é impossível." (homens querendo provar que mulheres sao inimigas umas das outras)
"A vida de uma mulher normal era uma sucessão de partos. Ela se casava aos 19 anos, e tinha 15 ou 18 filhos quando chegava aos trinta, pois os gêmeos abundavam. Assim nasceu o Império Britânico." (mulheres apenas para fins de procriaçao)
"Certamente, uma vez que ela é uma mulher, uma bela mulher, uma mulher na flor da idade, logo abandonará esse fingimento de escrever e meditar e começará, pelo menos, a pensar num guarda-caça (e, contanto que pense num homem, ninguém se opõe a que uma mulher pense). E então ela lhe escreverá um pequeno bilhete (contanto que escreva bilhetes ninguém se opõe a que uma mulher escreva)." (mulher bonita que so pensa em homem e escreve apenas bilhetes nao incomoda ninguém)
Sobre ser poeta:
"O ofício do poeta é, então, o mais elevado de todos — continuou. Suas palavras alcançam onde os outros falham. Uma simples canção de Shakespeare tem feito mais pelos pobres e pelos desgraçados do que todos os pregadores e filantropos do mundo"
Filme

O filme homônimo, dirigido pela Sally Potter (1992) é fiel ao livro, exceto o final. Tem uma fotografia linda, uma otima trilha sonora e atores maravilhosos. Tilda Swinton com seu look androgino arrasou no papel de Orlando. 
Curiosidade: a Rainha Elizabeth foi representada pelo ator Quentin Crisp
Orlando homem + Sasha 

Orlando mulher + Shelmerdine
vestidos malditos que limitam seus passos e pesam no seu corpo.

Este filme esta tb no meu projeto Mulheres na direçao

Musica

Seja o que você quer ser porque a gente so tem essa vida pra isso.


BEDA 14 (Blog everyday in April)

Um comentário:

  1. Ai como a Virginia Woolf é uma diva, né?! Amei seu texto! Depois dele buscarei ler este livro ainda este ano.
    Beijo

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